



Sem título
Tive um sonho muito esquisito.
Sonhei que estava em um jardim
e que vocês não me reconheciam
e me deixavam só.
Tsao Hsue-King,
Sonho do aposento vermelho
(c. 1754)
As coisas que não têm nome podem ser qualquer coisa. O nome atribuído a algo é justamente o que designa uma classe de coisas, pessoas, animais, um lugar... O nome ou expressão que se coloca no começo de um livro, em uma publicação, peça teatral, filme, música ou pintura, indica o assunto ou simplesmente individualiza a obra. Uma série de pinturas que não possui título nos deixa a dúvida do que são, do que representam, apresentam ou presentificam. Somente solicita nossa presença num parque inóspito e abandonado, onde tudo que encontramos são elementos arquitetônicos que compõem espaços enigmáticos.
As paisagens de Henrique Detomi estão repletas de objetos estranhos, que conferem um ar misterioso à cena. Sua iconografia remete à Pittura Metafisica, estilo desenvolvido no início do século XX, em solo italiano, pelos pintores Carlo Carrà e Giorgio De Chirico. Embora a paleta cromática seja diversa, os ambientes Sem título transmitem a mesma sensação fantasmagórica produzida pelos pintores de herança surrealista. O desconforto causado pelas coisas inominadas é o mesmo gerado pela presença das coisas inanimadas: não há um ser vivente nos ambientes, que paradoxalmente se mostram cheios de vazio e solidão. Os canos, tubos e escorregadores deste jardim nos convida a adentrar os caminhos que nos levarão a um lugar indecifrável. Ao mesmo tempo, exigem cautela: estamos prestes a adentrar um mundo irreal. Um mundo de sonhos, sem nome e sem título.
Por Maryella Sobrinho
Doutoranda em Teoria e História da Arte (Udesc) e Mestre em Teoria e História da Arte (UnB).
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992
BORGES, Jorge Luis. O livro dos Sonhos. São Paulo: Difel, 1986.
CARRA, Carlo. Pintura metafísica. Espanha: El Ancantilado, 1999